O LEVIATÃ BRASILEIRO
(por Maynard Marques de Santa Rosa)
"Senhor, fazei por esta guisa: daí aquilo que vosso não é, prometei o que não tendes, e perdoais a quem vos não errou, e ser-vos-á de grande ajuda para tal negócio em que sois posto" (Álvaro Pais a D. João I – Os Donos do Poder, pág. 56).
O conselho de Álvaro Pais, em 1385, inspirou o contrato social que compôs os interesses da burguesia lisboeta com a nobreza e o clero, após a Revolução de Avis. Acatado pelo monarca, passou a reger os costumes da Corte – que evoluiu com o tempo, transformando-se em "estamento" político, e permanece na gestão do Estado até os dias de hoje, sobrepondo-se à soberania popular.
A tese de Raymundo Faoro é comprovada pela História. O patrimonialismo cultural português transmigrou-se para a Colônia, ganhou raízes após 1808, e entranhou-se nos hábitos brasileiros, permanecendo como desafio à nossa evolução civilizatória. O estamento consolidou-se no poder. Permaneceu a prática de administrar o patrimônio público como se fosse privado. E gerou-se na população o paradigma da dependência do Estado. O Setor Público hipertrofiou-se.
Na cúpula dos Três Poderes, a hipertrofia dispensa comentários. Um estudo do IPEA sobre a evolução do Setor Público, entre 1986 e 2017, mostrou que o número de servidores cresceu 123%, a uma média anual de 2,5%, passando de 5.1 milhões para 11.4 milhões. Os vínculos municipais aumentaram 276%, de 1,7 milhão para 6,5 milhões. Nas instituições financeiras, a mão-de-obra pública ocupa 50% do mercado. Somente na Caixa Econômica Federal e no Banco do Brasil, há 200 mil.
Durante a transição de governo, em 2019, tomamos conhecimento do balanço das contas do orçamento federal, uma espécie de "caixa preta" do ministério da Economia. 92% da despesa é "carimbada", isto é, tem destinação previamente definida. Isso resulta do avanço das corporações sobre o orçamento, a partir de 1988. Restam 8% para a gestão do país. Desse resíduo, 5,6% vão para o custeio da máquina pública. Portanto, sobram apenas 2,4% das receitas para investimento, correspondendo a R$ 20 bilhões, quando o Brasil precisa de pelo menos R$ 200 bi.
O diagnóstico é evidente: o Estado perdeu a capacidade de investir. Além disso, como a despesa cresce anualmente, se não fosse feita a reforma da previdência, dentro de mais dois ou três anos ocorreria o colapso do custeio.
Contornando a falta de recursos, o governo Temer instituiu o PPI – Programa de Parceria de Investimentos, um mecanismo de captação da poupança privada para a concessão de serviços públicos. Embora represente uma saída inteligente, não passa de mais uma "meia sola", que não resolve o problema em definitivo.
Além da questão financeira, a Constituição de 1988 criou uma assimetria disfuncional entre os três poderes da República. As atribuições do Executivo passaram a ser invadidas pelos outros dois. O governo, eleito para gerir o país, foi perdendo, gradualmente, a liberdade de ação. Enquanto isso, o Legislativo avançou sobre o orçamento e o Ministério Público passou a ingerir nas funções executivas. O resultado dessa desarmonia é a paralisia estratégica e a estagnação econômica. O Estado nacional está travado. O país perdeu a capacidade de progredir.
Nesse contexto, a privatização deixou de ser uma opção estratégica, para virar imposição de sobrevivência, pois, de outra forma, as estatais poderiam tomar o destino da petrolífera venezuelana PDVSA.
Diante desse cenário, as promessas de campanha de qualquer candidato ao Executivo não passam de quimeras. O Setor Público, responsável pelo custo Brasil, precisa ser racionalizado de alto a baixo. Como fazê-lo, é o maior desafio que se apresenta a esta geração.
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